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Traxx

Mysterio, Villan X, XX Art ou apenas X. Melvin Oliphant desmascarado. Jakbeat de Chicago abraça a Europa e o Mundo.

Traxx é o mesmo que Mysterio, Villan X,  XX Art ou apenas X. As várias faces garantem uma dissimulação que parece resgatada dos primeiros tempos da rave e a música seria facilmente anónima caso não estivesse tão deslocada da produção corrente.

Mas a dissolução ácida do ego não pára na própria pessoa e quando juntamos à equação James T. Cotton, D’Marc Cantú, Deecoy e The Hieroglyphic Being, também pseudónimos de artistas com muitas faces, aí então parece formar-se uma autêntica cortina de fumo à nossa frente e do lado de lá The Dirty Criminals, Saturn V e X2 multiplicam-se por várias editoras, diferentes colaboradores e vários pseudónimos por cada colaborador – todos em formação diamante. Militância underground.

A verdadeira face de Traxx é Melvin Oliphant, de 37 anos, nascido e criado em Chicago, Illinois. Ao ser exposto à vibração avassaladora que tomou conta da cidade nos primeiros anos da House Music, torna-se ele próprio DJ. À medida que a House Music continua a sua mutação através dos 90’s, a música materializa muito do seu potencial criativo, mas ao dividir-se num irritante inferno de subgéneros cria uma superfície de radiação insustentável (e rentável) que dissipa muita da energia inicial.

Em 2001 surge na International Deejay Gigolo o primeiro maxi de The Dirty Criminals. “Are You Saved? Move!” contém as primeiras produções editadas de Melvin: duas colaborações entre Traxx e Deecoy a.k.a Daryl Cura. Este disco era já a primeira transmissão reconhecível de um novo som JACK de Chicago, mas foi muito mais do que uma reinvenção Acid – a música expandia-se sem esforço para territórios posteriores e paralelos à música de dança e a experimentação trouxe ao som uma energia quase Noise. Jakbeat é o nome desta nova síntese.

Com Jakbeat surgem outras palavras-chave como Kode, Truth e Nation (esta última dá também nome à sua própria editora). A maneira como Melvin e outros artistas Jak atribuem um significado maior à sua música poderia tornar-se anedótica e evangelista, não fosse a sua música uma das expressões mais cruas, físicas e honestas da música de dança actual. O som dissemina-se para além da International Deejay Gigolo e da sua própria editora Nation, encontrando lugar em mais plataformas de referência como a Spectral Sound, a Crème Organization, Relief (editora de Green Velvet), Muzique (editora fundada por Armando, produtor-chave da lendária TRAX) ou M>O>S.

Sendo uma das caras por trás de um dos colectivos de artistas mais singulares e militantes da música electrónica, partilhando muitos projectos de editora assim como colaborações musicais e festas, a RDB escavou até encontrar Melvin refugiado em casa, mas com disponibilidade para nos esclarecer.

RDB – Quanto do sentimento de colectivo é consequência directa de se sentir o espírito musical deixado em Chicago por Ron Hardy, Larry Heard e outros pioneiros?

Traxx – Não posso falar em nome de outros artistas, mas posso falar sobre a minha experiência. A minha relação com a música de Chicago é ter nascido e sido criado aqui.

Tive muita sorte em ter testemunhado a era do The Loft, Sauers e das maratonas de 3 dias do The McCormick Place, onde tocavam música de todos os tipos. Também tive a sorte de ir ao Medusa, onde vi muita da cena industrial ganhar forma com bandas e editoras como Front 242, Ministry, Wax Trax, Nitzer Ebb, Psyche, Yellow, Chris & Cosey a marcar presença desde o início.

No The Warehouse, o Frankie Knuckes era mais refinado e focava-se em usar a música para te levar a um certo lugar. Também tocava House ocasionalmente, mas tocava sobretudo Disco e funcionou porque a comunidade Gay não tinha muitos sítios para ir na altura. A selecção musical não era muito familiar para Chicago naquele tempo. Era o som Philly Garage que começou depois a funcionar porque muitos acharam o som divertido e entusiasmante..

Depois havia o Ron Hardy, no Den One, e mais tarde no The Music Box. Ele era uma bola de fogo espontânea que podia explodir e seguir em qualquer direcção. Ele podia tocar Eurythmics, tocava Man Parrish, Sylvester raro, Blondie logo a seguir ao Disco e a multidão completamente a delirar…

Era muito quente, suado e selvagem; não é possível transpor para palavras a energia que transmitia. Ele trabalhava furiosamente a equalização, e criava loops que depois repetia descontroladamente, pegava numa break de 1 minuto que extendia até aos 8 minutos num gravador de fita.

O mais importante era o elemento surpresa – com o Ron não havia maneira de saber o que ias ouvir. No lado Oeste de Chicago estava o Lil’ Louis. O Farley Jackmaster Funk mantinha uma residência no The Playground. Em 1985 a música House dominava os clubes de Chicago, em parte devido ao tempo de antena que tinha na 102.7 FM WBMX e também à equipa de DJ residente, os HOT MIX 5, onde se incluía o Farley.

Pierre, Adonis e Phuture foram grandes influências para mim sem dúvida. E é assim que o legado de Ron Hardy e outros em Chicago me influencia, mas também Larry Levan, mesmo sendo ele de Nova Iorque. Tenho o DVD do Maestro e a história do Paradise Garage contada pelo Mel Cheren. Tenho os mixes antigos e mais alguma informação sobre ele também.

Partilhamos projectos porque tem a ver com a verdade que é a música, e de como todos sentimos que temos algo para partilhar. E é bom porque vemos os pseudónimos, as duplas de produção, os projectos de editoras, os álbuns, as remisturas e vocais como uma tentativa de captar a atenção de um maior número de pessoas.

Houve uma continuidade da música Jack em Chicago depois da primeira vaga House? Ou Jakbeat é uma tentativa de recuperar algo que se julgava perdido?

Jakbeat é mais do que uma tentativa: é a determinação de fazer renascer algo. Inspira-se no som de várias culturas. Definitivamente não se limita a muita da música que é lançada hoje em dia, que é basicamente centrada na mesma fórmula, embora não exactamente a mesma… Existem muitos feitos de interesse na música electrónica moderna mas nos tempos que correm esta podia ser ainda mais criativa. Jakbeat é o renascer daquilo que produtores seminais de Chicago, Detroit, Londres, Nova Iorque, Alemanha e de todo o mundo criaram.

É verdadeiramente um género novo. A razão para isso é não ser influenciado apenas pelo Techno e House – deriva da Elektronic Body Music, Disco Not Disco, Punk-Goth, Synth Pop Music, Minimal Wave (estou a falar das gravações raras) e Italo. O som não pode ser criado aleatoriamente. É um estado mental e um nível diferente de consciência musical. Padrões hipnóticos e melodias que vão para lá das fronteiras da música de dança que conhecemos.

O maior problema da música é a vontade que todos têm, especialmente jornalistas e profissionais, de categorizar intenções e separar tudo em caixas. Uma vez que dás um nome a um género – qualquer que seja – também lhe estás a atribuir um conteúdo. Depois, quando fazes algo que soa a novo, as pessoas vão dizer que estás a tentar quebrar as barreiras do género musical ao qual pertencias. Mas no fim de contas não existe barreira nenhuma e nunca existiu.

O teu processo criativo é uma compulsão, ou pelo contrário é uma resposta pensada, fruto de alguma reflexão sobre o estado da música de dança?

Foi uma compulsão fruto de uma catastrófica reacção em cadeia que foi muito além de Chicago. Na música de dança actual já não se passa isso. Passa-se, mas nada está muito vivo, não de forma a que se sinta.

Qual foi o ponto de viragem para que passasses de alguém que era um clubber e ouvia música para alguém que é um DJ e faz as sua próprias produções?

Eu nunca fui um clubber… mas ouvia música desde os meus 13 anos. Costumava ir ao centro comunitário da cidade perto da minha casa, que era um sítio pensado para manter os miúdos fora das ruas. Eu gostava do break dancing, por isso tentei aprender aí durante uns 2 anos acho… já foi há muito tempo. Na altura vi um DJ nesse centro a tocar música de dança de Nucleus, Soul Sonic Force, Man Parrish com ritmos primitivos em repetição.

Não sabia o que se estava a passar, mas sabia que havia algo de especial naquilo. Em 1986 comecei a tocar em festas da YMCA [A Young Men’s Christian Association é uma associação dedicada a intervir em situações de degradação socia], pequenas festas caseiras e caves. Na altura, a meio dos 80’s, não sabia de nenhuma relação entre o House de Chicago e o Techno… talvez outros soubessem… mas eu estava demasiado entusiasmado com a cena da rádio e festas.

A razão pela qual este período da minha vida permanece comigo é por causa da intensa energia que era aplicada. Havia um sentimento, uma emoção, um estado mental de ligação transcendental – uma ligação espiritual com o ser superior através do veículo físico que é o corpo.

Relativamente a fazer música. Honestamente nunca quis fazê-lo… só queria passar a música. Acho que também era assim porque na altura não poupei dinheiro para comprar equipamento. Neste momento estou grato pela dádiva, para a qual acredito que estava destinado. Sou ainda um novato nisto, não estamos aqui a falar de nenhum génio, apenas faço aquilo que aprendo e aumento a minha experiência cada vez que ligo as minhas máquinas. Por último, sinto que tem havido muita preguiça na música…

À excepção de artistas como Legowelt, Orgue Electronique, Nancy Fortune, Terence Fixmer, Beta Evers, Specter, Theo Parrish, MoodyMann, Mike Huckaby, Newworldaquarium, MOS, Rabih, Carl Craig, Elect PT1, 808 State, Derrick May, Green Velvet and Crème Organization, entre outros que sinto estarem a expressar-se fora das fórmulas do costume.

Tudo isto somado ao que experimentei e testemunhei faz parte daquilo digo que sou desde 1986. Alguém precisa de defender aquilo que é certo e expressá-lo globalmente… Após a morte do Ron Hardy esse objectivo ficou adormecido durante um longo período que termina agora. Eu faço o que posso para contribuir para aquilo que adoro, vindo do passado até ao presente e dirigido ao futuro do NOSSO amanhã.

O que queres exactamente dizer quando afirmas “fazer o que está correcto”? Referes-te à necessidade de uma expressão mais honesta e genuína da parte dos artistas e DJs a nível global ou é algo mais profundo e relacionado com um tipo específico de musicalidade?

Falo de ambos. Falo dessa necessidade global de uma expressão mais honesta e genuína por parte das pessoas a fazer/tocar música hoje em dia. Mas também tem a ver com estar ligado a um certo tipo de musicalidade.

As culturas desempenham um papel muito importante neste assunto. Falo da expressão da nossa cultura. Não somo puristas do House de Chicago ou do Techno de Detroit. Antes havia a noção generalizada de que não precisavas de uma Roland TB303 para fazer “Acid”. Mas esse princípio fundamental perdeu-se assim que as modas tomaram conta da nossa House e a estética tomou as rédeas.

Foi deixada uma imagem artificial junto das massas. Não precisamos de mais versões baratas de Acid, ou New Beat ou Jack Tracks. Nós experienciámos a era do Acid House, a era do Disco, a era New Wave e a da Pop comercial. Queremos aprender com a nossa história e ir em direcção ao futuro e não apenas ao passado.

Poderias explicar como é que estes conceitos de JAKBEAT, KODE e TRUTH influenciam a tua editora Nation e as tuas sessões como DJ?

JAKBEAT é a plataforma que demonstra a Verdade (Truth) sobre como as nossas produções são espantosas. Não estou aqui a ser presunçoso de maneira nenhuma! Nós temos uma forte crença naquilo que fazemos.

KODE é a lei pela qual todos nós vivemos. É também sobre criar os nossos próprios padrões do código sendo inventivos, criativos e deixando de lado os nossos feitos para nos concentramos em objectivos mais altos.

TRUTH é sobre aquilo que é puro, sentido, sincero, testemunhado sem ver observado.

Eu gosto de lhes chamar Sessões porque é o que eu faço. Não escolho discos ou faixas especiais alinhando-as antes de ir tocar ou mesmo quando estou apenas a tocar para mim ou a fazer um podcast. Tudo acontece sem guião.

A Nation é a minha editora, onde eu vou mostrando a Verdade e o Código que eu conheço da Música…seja House, Electrónica, Jazz, Disco, Pop, Nu Wave, Hip Hop, Funk, World Beat, Industrial, Cosmic, Italo, cena alemã, etc…

Jakbeat é a nova corrente de som criada por mim, JTC (James T Cotton aka. Dabrye, aka. Tadd Mullinix) e D’Marc Cantú.

Nation é a minha história, descreve-me a misturar ao vivo com os discos que eu selecciono. Neste momento estou no Nation 6, a preparar a mistura do Nation 7 que vai ser o ep “Future Electronix feat. D’Marc Cantú and The Maniacs (Saturn V).

Na tua página de Myspace dizes estar a preparar um álbum para ser lançado em breve. Fala-me dos teus próximos lançamentos.

O álbum está completo, masterizado e pronto a sair! A Nation vai editar o LP de Traxx entitulado Faith, com lançamento marcado para este Verão. Vão ser lançados 1000 CD’s duplos de edição limitada. Vai também estar à venda como mp3 320 e ficheiro WAV, mas apenas para este lançamento. A edição em vinil é limitada a 500 cópias e é composta por 4 discos. Vai estar disponível pouco tempo após a promoção do CD.

Faith é um longa duração de cortar a respiração, e é o produto de uma fase anterior da minha vida, algures entre 1994 e 1998, onde a House Music era mais aberta e livre, sem rivalidade entre estilos – o som de todos era admirado.

A produção e os conceitos para este projecto nasceram de muitas influências que estão já profundamente enraizadas:  de Blaze a Larry Heard, passando por grooves Strictly Rhythm do início dos anos 90, com fortes influências do Jazz, e também novas faixas Jakbeat com menos ruído e mais vocais, melodias múltiplas e tons mais suaves.

É uma criação que parte de todas as minhas experiências de vida e também da vida de todos em geral. O mundo onde NÓS vivemos: as Lutas, a Morte, a Vida, a Paternidade, Sobrevivência Financeira, a Partilha, as Amizades/Relações.

Esta é a história que se desvenda através da manifestação de uma emancipação emocional. Depois há pensamentos alternativos: Beleza, Melodia Vibrante, Força, Vitalidade, Verdade, Natural, Encarnação…

É mais do que um album de House, é uma história completa. Comigo a cantar juntamente com James T Cotton e Nacy Fortune.

Depois dessa forte descarga de música acho que as pessoas não vão ser capazes de aguentar mais, mas não vão ter escolha com o Nation 9 igualmente demente a seguir. Todos vão dizer que Saturn V e X2 perderam a cabeça…outra vez.



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